Mãe nova, mãe velha - Episódio 2

Lagarta Pintada Reply 20:10

Depois que eu publiquei o primeiro post "Mãe nova, mãe velha", recebi um email de um leitor muito importante. Era o meu filho mais velho, se queixando: "Mãe, esse seu post me fez sentir um experimento que não deu certo". (Se você não leu, o texto falava das minhas mudanças de atitude como mãe, da primeira para a segunda experiência.)

Expliquei que ele deveria pensar o contrário, que apesar da pouca experiência e idade que eu tinha na época, ainda assim eu tinha podido observar o que não funcionava e mudar de estratégia.


Ele entendeu. E em homenagem a ele, o post de hoje não vai falar do que eu deixei de fazer, mas, ao contrário, sobre o que permaneceu de um filho para o outro. Afinal, foram 16 anos de intervalo. Assim como houve atitudes que eu revi no meu segundo encontro com a maternidade, fico feliz de perceber que muitas coisas ficaram. 


Talvez a mais importante delas seja a habilidade de dizer "não". Acho que, modéstia à parte, fiz um bom trabalho com LL - ele é um menino razoável, amoroso, equilibrado, que sabe exercer seu auto-controle e argumentar educadamente para defender seus interesses. Tudo isso eu atribuo ao bom uso dessa palavrinha que é quase um tabu para pais e educadores: o "não".


Vou começar dizendo que não sou dessas mães que evitam o "não" a qualquer custo. Acredito firmemente que quando um pai ou uma mãe dizem não, estão querendo transmitir ao filho a habilidade de se auto-regular, ou seja, estão querendo ensiná-lo a exercer auto-controle sobre si mesmo. Se minha filha aproxima o dedinho da tomada e eu digo não, tenho a expectativa de que ela compreenda que ali existe um risco e que futuramente ela possa exercer sozinha este controle e evitar uma situação parecida (mesmo que o futuramente pareça que nunca vá chegar...). Descobertas recentes das neurociências indicam que a habilidade de se auto-controlar, ou auto-regular, é um dos recursos mais importantes a serem desenvolvidos na infância, pois dela derivam a capacidade de concentração, a disciplina e a persistência. Mas o problema com a palavra não -- hoje também já existe evidência científica para isso -- é que o excesso de vezes em que é usada, sem explicações ou associações positivas, tem o potencial de tornar as crianças confusas, frustradas, inseguras e o pior: diminui sua capacidade de aprender


Isso tudo eu não sabia quando LL era pequeno, minha conduta de mãe era mais instinto do que qualquer outra coisa. Só depois de ter lido obsessivamente sobre o tema, encontrei justificativas para o que eu já praticava por feeling e aprofundei minhas idéias sobre o assunto. 

Minhas regras de ouro para o uso do não:


• Parcimônia - se você usa muito, a palavra NÃO perde o efeito e o impacto. Eu reservo um tom de "não", mais alto e com uma ênfase prolongada no à (algo como NÃÃÃÃÃÃÃO) para casos excepcionalmente críticos. Nos outros casos, o não sempre vem no meio de uma frase explicativa.


Imagem da palavra - tudo o que você diz, mesmo que seja uma negativa, cria uma imagem na mente do seu interlocutor. Isso pode soar meio batido, meio Lair Ribeiro, mas é verdade. Sobretudo com crianças pequenas, em que a capacidade de auto-regulação ainda não está desenvolvida, falar uma frase na negativa é quase o mesmo que falar na afirmativa! A palavra "não" cria um desafio, e justamente porque sugere ao mesmo tempo que proíbe. Solução? Fale diferente! Tente reformular mentalmente o que você diria na negativa. Quando Sissi pede para ver passarinhos às 9h da noite (porque ela quer evitar a todo custo ir para o berço), ao invés de formular uma frase com "não", eu digo: "eu sei que você quer ver os passarinhos agora, mas como eles já foram dormir, que tal se a gente for escutar uma música de passarinho?). O não sempre vem com uma explicação.

Alternativa - o exemplo acima me leva à outra regrinha, a da alternativa. Sempre procuro oferecer uma alternativa razoável para os meus filhos. Alternativa razoável, para mim, significa algo que esteja de alguma forma ligado à demanda da criança, mas de acordo com as minhas regras. Alternativa razoável não é distrair a criança com qualquer bobagem que você vê na sua frente, só porque você acha que ela vai esquecer do que tinha pedido primeiro. As crianças são muito hábeis em descobrir que você está querendo enganá-las e, uma vez que o seu filho tenha se convencido de que você o está enganando, pronto! você terá perdido a coisa mais importante na relação com ele, que é a confiança. Não engane seu filho, ofereça alternativas justas, sem desmerecer o que ele quer fazer, por mais que você esteja determinado a impedi-lo. 


Experiência controlada - algumas vezes, não há mesmo alternativas. Nesses casos, às vezes, eu apelo para um choque de realidade. Como fazer seu filho entender que ele não deve tocar na panela porque está quente quando ele não compreende o conceito de quente ainda? Com minha filha, deixei que ela tocasse uma xícara de chá (que estava quente mas não o suficiente para machucá-la) avisando, em tom moderadamente severo, que aquilo era quente. Ela se assustou com a experiência e, resultado, rapidinho entendeu o que significa quente e passa longe de tudo que é rotulado com esse adjetivo. É claro que eu não estou sugerindo que você deixe que seu filho se fira ou qualquer coisa do tipo... falo de experiência "controlada". 


Defina as regras antes do jogo - seja razoável e pense, você precisa dizer "não" o tempo todo? Imagine sua filha de 7 anos querendo brincar de desfilar com os seus sapatos dentro de casa. Qual a sua primeira reação? Não!!! Só de imaginar ter que arrumar tudo depois já dá cansaço... Mas com algo do tipo: "Bem, se você arrumar tudo de volta no lugar, pode. Mas vai ter que ser na hora em que eu disser." - você precondiciona a brincadeira e ainda cria um desafio. Capaz até de os sapatos ficarem mais arrumados do que antes...

Essas regrinhas foram um porto seguro com meu primeiro filho e continuam vigentes no convívio em casa, 16 anos depois. Espero que o filhote, ao ler este post, possa ficar orgulhoso de ter sido um experimento que deu certo.



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Olhando no espelho

Mãe lagarta em metamorfose permanente... com família a reboque mundo afora.

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