O desafio de colocar limites sem punição

Lagarta Pintada Reply 05:14
Colocar limites - acho que este é talvez o maior dilema das mães modernas. Fomos educadas por nossos pais de uma forma que hoje já não parece adequada para educar os filhos. Mas, pensando bem, é razoável que seja assim. Cada geração tem um jeito de educar que faz sentido naquele momento e naquele lugar, mas que perde a validade com o passar do tempo. A sociedade evolui e, quando filhos e filhas se tornam pais, os modelos que eles aprenderam na infância já ficaram obsoletos. 

Como tantos outros adultos de hoje, eu apanhei várias vezes quando criança, levei as famosas chineladas. E era sortuda: tinha amigos que apanhavam de "varinha de goiabeira" ou de cinto - as piores punições na minha época. Um pouco mais longe no tempo, meus pais e sogros recontam, nas memórias de seus tempos de infância, surras e atos de violência física que hoje seriam motivo de chamar a polícia.

E é assim. Hoje simplesmente isso não faz mais sentido. O conhecimento das pessoas aumentou, a Psicologia evoluiu e se disseminaram informações que viraram incontestáveis, como a de que a formação de uma criança deve ocorrer em um ambiente acolhedor, livre de violência física ou moral. Mas como efetivamente aplicar a disciplina sem poder recorrer à ocasional palmada? E o que dizer do castigo?

Outro dia eu li em um grupo de mães no Facebook um post em que a mãe pedia conselhos sobre como colocar o filho "no cantinho do pensamento". Ela contava, em tom desanimado, que quando o filho se comportava mal, ela perguntava se ele gostaria de ficar de castigo; como resultado, o filho ria e respondia que sim. E ela, claro, ficava sem saber o que fazer. Imagino a sensação de impotência dessa mãe. Ela não quer castigar o filho, mas seu repertório para exercer disciplina está se esgotando. 

Eu passei por esse medo com meus dois filhos. O primeiro, porque era o primeiro, né? Mas ele tinha uma personalidade encantadora, dócil e compreensivo (e tem até hoje, com 19 anos) e acabou que foi tudo razoavelmente fácil. Já com a segunda... tudo diferente. Sou mãe de Sissi, a imperatriz. Desde de pequena ela já vinha dizendo a que veio. Geniozinho danado, antes de dois anos deixava a gente de cabelo em pé. Eu previ muito desgaste quando ela atingisse a fase dos 3 a 5, mas investi pesado em um "treinamento de mãe". Ela já está para completar quatro e vejo que está dando certo. Juntando meus instintos, a experiência do primeiro com muita leitura sobre o assunto, acho que acabei desenvolvendo técnicas que podem funcionar com filhos de outros também.

Em primeiro lugar, as crianças precisam se sentir conectadas para a disciplina funcionar. Mas como? Quando eu escuto a palavra "conectar", vem logo à mente a ideia de abraços, beijos e risadas. Dizer "não" dificilmente parece uma forma de estabelecer conexão, mas pode ser. Vamos lá:

Converse com seu filho, mas de verdade.

Em primeiro lugar, é preciso estar no mesmo nível da criança. Nível de altura mesmo. Nada mais desigual e intimidador do que uma pessoa falando num plano bem mais alto com você. Abaixe-se e olhe diretamente nos olhos do pequeno. Peça a ele, em tom de voz firme e sereno, que preste atenção ao que você tem para dizer. Pronto. 50% do trabalho está aí. Quando você consegue ter a atenção da criança, em geral ela genuinamente vai ouvir o que você tem para dizer. Agora o tom de voz é fundamental. Crianças são mestres em detectar qualquer alteração na voz que delate insegurança, raiva ou outro tipo de "vulnerabilidade". Você tem que estar no controle.

Aí você pode pensar, "mas e se meu filho não conseguir se controlar e ficar fazendo um escândalo?!? O que eu faço?" De novo, você tem que estar no controle. Os filhos fazem birra, se jogam no chão, choram e gritam porque sabem que isso surte efeito. Seu filho espera vê-lo vulnerável em decorrência da birra. Quebre o ciclo vicioso. Diga a ele, em tom calmo que, se aquela situação continuar haverá uma consequência. Outro ponto fundamental é que a consequência precisa ter relação direta com o comportamento inadequado. 

- Não está se comportando adequadamente em um local? Terá que sair.
- Não quer comer? Não sairá da mesa e não poderá brincar enquanto não terminar. (Normalmente eu crio uma expectativa de brincadeira irresistível para surtir mais efeito...)
- Está fazendo algo que coloca sua segurança em risco? Terá que ficar presa comigo. De mãos dadas ou no colo.

No caso específico da birra que envolve se jogar no chão e chorar em um lugar público, normalmente, a minha consequência é dizer que eu vou sair do lugar e deixá-la ali. O que funciona instantaneamente. Mas, cada caso é um caso e 1) Precisa uma certa coragem de virar as costas para o filho e sair andando calmamente, porque dá um medinho; 2) Algumas crianças podem ser mais resistentes. Uma alternativa é dizer que a consequência será tirá-lo do local. Seja o que for, festa de amiguinho, parque. O importante é levar a criança para algum lugar onde ela possa se recompor - e você também.

Tudo isso tem que ser encarado como consequência natural do comportamento da criança, e não como castigo. Pense que é uma excelente oportunidade para ensinar causa e consequência. "Toda vez que eu faço X, acontece Y". 

No momento em que a criança se acalmar, você precisará explicar a ela porque o comportamento não é aceitável. Em primeiro lugar, para mim funciona fazer o seguinte: só falo com minha filha quando ela não está chorando, gritando ou fazendo manha. Digo a ela que darei um tempo para ela se acalmar. Se ela continua com a manha, digo que infelizmente não consigo entender o que ela diz enquanto está chorando ou gritando e finjo que não entendo o que ela está dizendo.

Ultrapassado este momento de tensão, é a hora de conectar. Seu filho está mais calmo, abaixe-se até a altura dele e converse. A maioria dos conselhos que eu vejo sobre colocação de limites sugere um diálogo que procura evitar, de forma sutil, o confronto direto e acaba nos distanciando ao invés de nos conectar com as crianças. 
Exemplos:

  • Frases na terceira pessoa: "isso não é bom..."; "é feio fazer isso..."; "Mamãe não gosta quando você ..."; ou "Lucas, isso não pode fazer..."
  • Outro tipo é a abordagem filosófica, que recorre à generalização: "No rosto não se bate"; "Ruas não foram feitas para correr"; "Amigos não são para morder ".
  • Ou ainda o fatídico plural majestático: "Nós não cuspimos a comida" ou, modernamente, "A gente não briga com o amiguinho".

Pessoalmente, eu também evito o tom do "meu anjo", "meu bem" ou "meu amor". Soa paternalista e, no fundo no fundo, quase irônico, porque usar expressões de muita ternura nesses casos me soa um pouco falso, especialmente se o adulto está se sentindo irritado enquanto finge calma e carinho. Não pense que as crianças não percebem.

Optei pela formulação do tipo: "Eu não vou deixar você fazer isso" / "Não posso deixar que você continue a..." E explico o motivo.

Sinto que quando me dirijo nestes termos, Sissi se conecta instantaneamente com o que tenho a dizer. É como se eu estivesse dizendo a ela que há uma barreira entre o que ela quer e o que é possível, mas de forma direta e respeitosa. 

Mas, é claro, isso não é um conto de fadas. Ato contínuo, a resposta seguinte dela é: "Mas eu quero fazer!"

Para isso eu já tenho um protocolo pronto, tão repisado que ela já completa as frases: "Você pode querer, não tem problema nenhum. Só que nem tudo que a gente quer, a gente pode." A parte do "nem tudo que a gente quer" eu nem preciso terminar, porque ela completa sozinha. E na maioria das vezes, já faz isso rindo. Ou seja, já ganhei. :)

Coloco expectativas possíveis e, se for o caso, prometo atender ao desejo dela de uma forma razoável. Se a birra for por um doce em um momento inapropriado, digo que pode ser depois etc. etc. Se for sobre um comportamento indevido, aí não tem compensação.

Um dos aprendizados mais valiosos para mim neste processo é mostrar para ela que existe uma diferença entre "querer" e "poder fazer", mas que o querer em si não é errado ou inadequado. Existe um processo de acomodação entre o que se quer e o que se pode, que eu procuro transmitir para ela de forma que ela entenda, porque essa é uma das chaves para uma vida adulta feliz e equilibrada. 

E eu vou aprendendo também, me descobrindo e, que bom, sentindo que me torno uma pessoa melhor. Como dizem por aqui, inshallah.

Era uma vez... uma caixa de sapatos que virou diversão!

Lagarta Pintada 2 10:34
Desde a infância, eu sempre gostei de fazer brinquedos com as coisas corriqueiras, do dia-a-dia. Fazer bichinhos de arame, catapultas de garfo, túneis de rolo de papel higiênico, isso consumia horas das minhas tardes, já que eu não costumava ir muito à rua brincar. O material da escola -- compasso, transferidor, apontador e régua --, comprado antes de começarem as aulas, era rapidamente incorporado ao meu laboratório de cientista maluca. Viravam telescópios, microscópios e outras coisas que eu já nem me lembro.

Acabei criando uma relação afetiva com os objetos. Pode ser uma coisa meio doida, mas quando acaba um rolo de papel toalha, uma geléia dentro de um vidro bonito, me dá uma pena de jogar fora! E hoje aconteceu de eu estar diante desse dilema com uma caixa de sapatos. Tão perfeitinha, como é que eu ia colocar no lixo?!?

Lembrei de quando meu tio brincava de mágica, fazendo uma moeda se mover sozinha -- na verdade, era um ímã que movia a moeda por debaixo de um pano. Eu adorava! Resolvi repaginar a ideia.


Sissi comia distraída, então precisava ser um brinquedo rápido. Sério, eu fiz em uns dez minutos. Se você tiver o material todo em casa, faz também. 


Precisa de: caixa de papelão sem a tampa, tesoura, dois ímãs pequenos (eu usei daqueles de geladeira), papel. Se você tiver em casa um estilete, é útil.

A primeira coisa a fazer é cortar um círculo na lateral menor da caixa. Eu usei o estilete, mas uma tesoura afiada funciona bem. Esse será o buraco por onde entra a mão da criança.

No fundo da caixa, que vai ser a parte de cima do brinquedo, eu prendi um desenho que eu peguei da internet, representando uma paisagem. Mas funciona também se você ou seu filho fizer o desenho. 

Como eu estava com pressa, peguei uma imagem da internet, ajustei para mais ou menos 70% do tamanho de uma folha de A4 e imprimi. Encontrei dois desenhos, um de paisagem, outro de um mapa de uma cidadezinha. O de paisagem eu usei como fundo para o aviãozinho voar; o da cidadezinha, eu vou usar para fazer um carrinho depois.


Recortei o desenho da paisagem, e prendi no fundo da caixa, usando massinha adesiva. (Não usei cola de propósito, para poder trocar o desenho depois.) A foto à direita mostra o verso do desenho com quatro bolinhas de massinha adesiva, pronto para prender no fundo da caixa.


Daí, foi só buscar um desenho de aviãozinho na internet, imprimir pequeno e recortar. Eu fiz tudo em papel A4, mas dá para fazer com cartolina, ou mesmo colado em papelão, para ficar mais durável. Prendi o ímã com massinha no verso do desenho.




Prontinho. Depois disso, foi só usar o outro ímã para prender o aviãozinho e fazê-lo deslizar pelo céu! (Na foto, ela deciciu fazer o avião pousar no sol.)

Assim que eu terminei, Sissi me pediu para fazer um passarinho -- eu devia ter adivinhado antes... Mas foi fácil de resolver. A graça do brinquedo para ela, além de fazer voar, é brincar de pega-pega com o avião/passarinho. Ela mexe e eu tenho que tentar pegar. Fiquei pensando que, com quatro ímãs, dá para fazer dois aviõezinhos (ou dois carrinhos) apostando corrida. Deve ficar divertido. 




Como aprendemos nossos traços culturais?

Lagarta Pintada 2 11:01
Vivendo há seis anos no exterior e criando uma filha pequena, existe uma pergunta que vive me rondando -- como é que nos tornamos brasileiros? Ou, em outras palavras, como posso ter certeza de que minha filha pequena crescerá "culturalmente" brasileira mesmo sem ter nascido no Brasil e só indo ao País uma vez por ano por 30 dias?

Todo mundo sabe que a cultura não é transmitida geneticamente. As crianças adquirem traços culturais com a convivência, de forma inconsciente. Quando a criança atinge cinco anos de idade, os alicerces de pertencimento cultural já estão todos assentados. Sissi tem menos de quatro e já vejo algumas indicações claras de que ela é, como eu, "diferente" dos locais aqui nos Emirados Árabes: beijamos mais, abraçamos mais, falamos mais (e mais alto), somos mais transparentes. 

O problema de ser diferente é que isso pode até fazer você ganhar admiradores, mas sempre tem um custo. Portanto, mais do que a preocupação que minha filha seja "culturalmente brasileira" e não chegue depois no Brasil e se sinta uma estranha no ninho, eu penso muito em como prepará-la também para ser culturalmente competente em qualquer lugar onde venhamos a viver. Mas como fazer isso? Como proporcionar a ela as experiências concretas para que ela possa desenvolver uma identidade cultural e ao mesmo tempo se sinta à vontade em outros espaços?

Pois hoje eu tive uma experiência reveladora sobre isso. Entrei em uma loja com a pequena, disposta a comprar um cinto para ela. A loja era a Claire's, típica armadilha para mães: vende tudo que é tipo de colar, pulseira, bolsa e acessório que se pode imaginar. Eu já tenho um protocolo preparado para esses casos e Sissi já sabe: só podemos comprar UMA coisa. Ela pode olhar e experimentar, mas no final tem que escolher SOMENTE uma coisa. Não tinham cinto, então deixei-a escolher outra coisa, que foram uns adesivos de colar nas unhas. Na saída, vi umas liguinhas de cabelo no balcão e me lembrei que estavam quase se acabando em casa, então incluí no pacote.

A compra transcorreu sem problemas, Sissi cumpriu com a sua parte e saímos as duas satisfeitas. Ao chegar em casa, olhando para o saquinho com os adesivos e as liguinhas, ela me perguntou: "Mamãe, porque nós trouxemos DUAS coisas?"

Eu gelei. Me dei conta, rapidamente, de que tinha dado "um jeitinho" na regra criada por mim mesma. Ora, se só pode comprar uma coisa, então é só uma, né? Mais ou menos, qualquer brasileiro sabe. É assim que a gente aprende -- para o bem e para o mal -- os traços da nossa cultura. Sua mãe diz que não pode, mas deixa ficar mais um pouquinho. E então, por mais que ela diga que não, você acaba aprendendo que pode sim, tem sempre um jeitinho.

Bom, essa é uma das características típicas do brasileiro que eu não acho que vá fazer falta a minha filha. Por isso, respirei fundo (ao invés de me culpar pelo furo, procurei me sentir grata pelo "insight") e respondi: "Você escolheu uma coisa e eu escolhi uma coisa também. Uma para cada uma." Ela sorriu. E, eu, consciente do meu jeitinho, prometi a mim mesma ser mais vigilante e não deixar passar a próxima oportunidade de reforçar o respeito absoluto às regras. 

Porque a gente não precisa aceitar nossos defeitos como fatalidade cultural.

Desabafo de uma mãe: "a alegria se apagou"

Lagarta Pintada Reply 14:15

Na semana passada, eu li uma matéria de jornal que me sensibilizou muito. Era uma reportagem que falava da tristeza de uma mãe, logo após receber a notícia da morte precoce do filho, de 15 anos. A situação em si não é novidade, mas o caso virou notícia porque o menino em questão, em 2008, tinha virado garoto-propaganda de um programa de governo (PAC - Programa de Aceleração do Crescimento) em Manguinhos, zona norte do Rio. No início do mês passado, o garoto, aos 15 anos, morreu com suspeita de overdose.


Foi o desfecho da história do menino que ganhou notoriedade ao conhecer de perto Luiz Inácio Lula da Silva, então presidente da República, na entrega do conjunto habitacional no local. 

Não, eu não quero falar de política. Apesar de parecer que não existe no momento outro assunto na imprensa brasileira, o que me emocionou foi a forma como a mãe do menino descreve o seu sacrifício para dar uma vida melhor ao filho - e como ela se desespera ao perceber que não conseguiu. 

Fiquei pensando o quanto todas as mães temos em comum, e como podemos aprender com a dor e a história de cada uma, mesmo que pareça distante da nossa. 


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Olhando no espelho

Mãe lagarta em metamorfose permanente... com família a reboque mundo afora.

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Porque sem sair do casulo, ninguém descobre a verdadeira identidade.

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