Praga de mãe pega

Lagarta Pintada 2 09:01

Sou prova viva de que isso é verdade. Minha desventura já dura 17 anos, desde que LL nasceu. Mas a praga me pegou quando eu ainda era criança. Foi mais ou menos assim: eu nunca fui de comer muito (com exceção da segunda gravidez, quando engordei 30 quilos!) e minha mãe, que criava duas filhas sozinha, trabalhava fora e não tinha praticamente quem ajudasse, é uma pessoa muito preocupada (para usar um eufemismo e não ferir os brios maternos) com alimentação.

Na casa dela, quando éramos pequenas, não tinha essa conversa de não querer comer isso ou aquilo. Eram os anos 80, inflação de 100% ao mês. Ninguém podia ir ao supermercado várias vezes. Portanto, desperdício de comida, impensável! Iogurte, só uma cartela por mês. Requeijão, no máximo três potes! E por aí vai… Pois bem, tanto eu como minha irmãzinha não éramos, assim, fanáticas por comida. Especialmente comida de panela. Eram horas na frente no prato, fazendo guerrinha de arroz, ou simplesmente uma olhando para a cara da outra, com a comida toda enfiada na bochecha, sem engolir nem querer a colherada seguinte.


Foram vezes incontáveis comendo com o chinelo em cima da mesa, sob gritos, ameaças das mais variadas, que nunca surtiram efeito, com exceção de uma: a do liquidificador. A ameaça do liquidificador era algo tão terrível que eu comia o que fosse para não vê-la concretizada. Se chegasse ao ponto de minha mãe perder totalmente a paciência, lá vinha a fatídica ameaça:
-- Ah é? Vocês não vão comer? Pois eu vou já buscar o liquidificador.

Buscar o liquidificador não é nenhum código. Era o liquidificador mesmo.

E ela acrescentava: "Se não querem comer, então vão beber!"

Por aí, imagino que você já entendeu o que acontecia… Ela sacava o aparelho do armário, pegava o prato de comida de cada uma de nós -- separadamente, devo fazer justiça -- vertia-lhe o conteúdo e acrescentava água, ou leite se estivesse de bom humor, para bater toda a comida e fazer virar uma sopa. O objetivo: facilitar a deglutição, o que teoricamente seria mais simples com a comida no estado líquido -- ou semi-pastoso, que é maneira delicada de descrever a gororoba que resultava da operação.

A minha pior recordação desses momentos é de um dia que tinha filé de peixe com pirão (eu detestava peixe e até hoje não tem quem me faça comer pirão…). A mistura de tudo no liquidificador foi ficando cinza, e eu assistia, tomada de puro horror, os pedacinhos de casca de tomate girando dentro do copo antes de retornarem ao meu prato. Um grande amigo meu, advogado e pessoa de índole humanitária, quando ouviu essa história, imediatamente denunciou: "o que sua mãe fazia era uma violação dos direitos humanos!"

Alguém me disse uma vez que houve uma prova do Big Brother que submetia os participantes a esse mesmo desafio. (Não sei não, acho que minha mãe deve ter dado algumas contribuições para os roteiristas do programa…)

Eu sei, você já está com pena de mim… mas agora vem o pior, a parte da praga. É que, no meio do destempero que costumava caracterizar nossa hora familiar de almoço, certo dia, ela vaticinou: "Pois eu só desejo uma coisa para vocês, que os filhos de vocês sejam iguais ou piores na hora de comer!".

O resto, como dizem os americanos, é história. Veio LL, veio Sissi. Ele ainda comia alguma coisa, embora me prendesse em média hora e meia à mesa no almoço todos os dias. Agora ela, simplesmente não come NADA! NADA! Aos 18 meses, a principal fonte de alimentação é mamadeira, vocês acreditam? Nem por pirulito, nem chocolate, nem bolo nem pudim a danadinha se interessa...

Eu não tenho raiva do liquidificador, não. Eu até que compreendo. Mas precisava a praga?

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2 comments

Eu adoro essa história!! :-)
Mas realmente não precisava a praga, né? Imagino que você já tenha tentado de tudo, né? Sopinha, comidinhas que ela possa pegar com a mão, tudo?
Mas fica tranquila, uma hora ela vai começar a comer.
Beijos, Rê

Podes crer,tudo que foi feito no relato do líquidicador foi feito por amor.

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Mãe lagarta em metamorfose permanente... com família a reboque mundo afora.

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