Sopa de letrinhas na educação brasileira

Lagarta Pintada 2 22:23

Em tempos de redações do ENEM que apresentam receita de miojo - numa clara tentativa de burlar o sistema e sair-se bem com pouco esforço, mais do que ponderar sobre a má qualidade da educação brasileira, penso que é necessário refletir de forma mais ampla sobre os sintomas que reiteradamente sinalizam a falência múltipla dos órgãos do ensino em nosso país, tanto público quanto privado.

Acredito firmemente que em uma sociedade democrática, os pontos fracos e fortes correspondem àquilo que o povo coletivamente valoriza ou relega a segundo plano. Ou seja, se temos educação de má qualidade, é porque infelizmente nossa sociedade não vê na educação um valor mais importante do que, por exemplo, a distinção social conferida pelo título acadêmico. Pois é um fato que nos últimos anos multiplicaram-se os números de cursos universitários no País, ao passo que na comparação com o nível educacional em outras nações, os índices brasileiros são vergonhosos, atrás de vizinhos como Chile e Argentina. Repito, a conclusão só pode ser uma - interessa mais ao cidadão médio ter um diploma do que efetivamente adquirir educação.
Que diagnóstico podemos fazer diante do ato deliberado de um estudante que, para passar em uma prova de redação, escolhe inserir um trecho de receita culinária ou de hino de clube de futebol em sua redação?
Em primeiro lugar, me chama atenção que o tema tenha ganhado as páginas dos jornais. Por que tanta atenção para quem escolheu conscientemente ridicularizar o sistema? A atenção midiática - ainda que negativa - que o assunto recebeu reforça a premissa do "falem mal mas falem de mim". Tenho certeza de que, secretamente, estes jovens tornaram-se mais populares entre seus pares e eu não me surpreenderia se no ano que vem, novas e mais sofisticadas estratégias de corromper as redações do ENEM apareçam nos jornais.
Estamos dando atenção a quem não merece. Onde estão os alunos que tiraram as melhores notas e fizeram redações impecáveis? Por que os jornais não fazem evento de divulgação dos melhores resultados, por que as editoras de livros não oferecem prêmios aos melhores, por que a sociedade não se organiza de forma a premiar quem mereça e sutilmente ignorar os espertinhos (que existem em todo lugar) sinalizando que não é este o modelo que queremos para nosso País, mostrando que ser correto e cumprir as regras é um valor que se deve exaltar e premiar.
Aliás, onde estão os pais desses jovens? Em qualquer país do mundo que leve a sério a educação, a atitude desses estudantes seria motivo de vergonha para os pais. Infelizmente, não no Brasil. Posso até imaginar o pai de um deles contando vantagem em um churrasco com amigos, sobre a proeza do filhão que, afinal, já tinha sido aprovado em alguma universidade.
O que me leva a outro ponto: o equívoco que penso subsistir em nossa sociedade ao atribuir à escola o papel de educar. Pais pagam por um ensino de qualidade como quem compra um sanduíche em uma rede de fast food. Querem benefícios pontuais, querem aprovação nas universidades, querem idiomas e iPads. Será que estão dispostos a se envolver com o projeto pedagógico da escola, ou ao menos conhecê-lo, estabelecer um intercâmbio para garantir a formação moral e cultural de seu filho? Enquanto essas distorções forem a regra, pouca esperança de mudança se pode ter sobre o futuro da educação no Brasil.

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2 comments

Dani, concordo totalmente!! O que mais vejo aqui é isso, pais querendo que a escola eduque seus filhos e resolva todos os problemas. Incrível. Também tem alguns extremos, é verdade, de mães que querem saber absolutamente todo o planejamento da escola, que ligam para escola todos os dias para saber como está o filho, tudo!
Eu fico no meio termo. Gosto de saber o que está acontecendo, de acompanhar, mas sei que a obrigação de educar é da família. Busco a ajuda, o suporte da escola, se o problema estiver chegando na escola. Senão, resolvemos em casa mesmo.
Bjos, Rê

Fico com a impressão de que é uma coisa até meio cultural nossa, Rê, aquela síndrome do "eu estou pagando, então a escola tem que fazer tudo o que eu quiser". Mas é responsabilidade das escolas também, que não marcam posição junto aos pais, talvez por receio de perder o aluno. Mas, fico contente de notar também, como você comentou, que aos poucos esta mentalidade vem mudando.
Beijos,
D.

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